terça-feira, 13 de setembro de 2011

Nós e a democracia

por professor Julio-Auto

Ser jovem e não ser revolucionário
é uma contradição genética
CHE

No próximo dia 11 completam-se dez anos após aquela sinistra manhã de Setembro. O mundo, ainda pasmado com a primeira explosão, silenciava para ver a segunda torre ser atingida. Em minutos tudo veio abaixo. Por essa época proclamavam o “fim da História”, o “fim das utopias” e das revoluções. Enganaram-se. Os recentes acontecimentos não deixam dúvidas. Ainda que demore, não se aquieta o constante clamor humano por liberdade. A História segue... no tempo e no espaço quântico das incertezas.
Uma recente onda de revolta em favor da Democracia ecoa do mundo árabe. Os protestos na Tunísia, Argélia, Jordânia, Egito, Iêmen e Líbia, ganharam o mundo. A “Primavera Árabe” como ficou conhecida, inspira ações em outras regiões ainda sob o domínio de regimes autoritários e ditatoriais. Ditadores prometem banhos de sangue. Aqui o Brasil titubeia: “reconhecer ou não reconhecer”, eis a questão diplomática a ser definida. 


 No país do carnaval e futebol, a coisa toda parece um pouco confusa para a maioria dos brasileiros. Situação complexa e difícil de entender. Leigos e distantes, tantos os nomes são difíceis de pronunciar, como a questão política e cultural árabes facilmente escapa ao nosso entendimento.
Mas a copa vem aí. Deus vai ajudar. O Maracanã vai ficar pronto. O Rio de Janeiro continuará lindo. Quem vier verá, pegará o Bonde andando. E como sempre, nada entenderá. Nós também ficamos sem entender. Ora, não foi por falta de aviso. E logo a tragédia anunciada veio ao palco da notícia: 57 feridos e 5 mortos em Santa Tereza.
Democracia: eles lá em luta; nós aqui sem saber o que fazer com ela. Tudo bem, também é verdade que um dia lutamos. Mas “eles venceram”. Hoje “vivemos e morremos como nossos pais”.
Democracia: Invenção grega. A arte de viver na cidade (polis) e governar para o bem comum. Platão escreveu A República; Aristóteles, A Política. Sócrates, como se sabe, nada escreveu. No entanto, antes mesmo de Platão, levava a juventude a questionar toda forma de tirania. Hoje se fala em ética na política. Antes, a política era inseparável da ética. Mas pelo visto, parece que também Ulisses, ao modo grego, nos deixou um cavalo de Tróia estacionado em Brasília. Talvez isto explique nossa relação com a democracia. Mal sabemos o que ela é. Sabemos que tem a ver com liberdade de expressão e liberdade de ir e vir. Sabemos que de dois em dois anos somos convocados ao tão celebrado “exercício de cidadania e democracia”. Tirando isso, pouca coisa mais nos vem à mente. Basta perguntar a qualquer um na rua. As respostas, no geral, não vão muito além.
E a corrupção? Como fica? Numa democracia significa que todo mundo tem o direito de roubar? Bem, assim parece ser, ao menos para muitos. É o que imagino ao ouvir: “fulano tá certo, tem que aproveitar a chance enquanto tá lá”; ou, “Se fosse eu, faria o mesmo”. Posturas como essas tomam como premissa a seguinte máxima: “Todo mundo rouba”. Lógica cruel; infelizmente em parte validada pela experiência.
Mas a corrupção não anda só. Vem sempre acompanhada da impunidade. Não apenas o desvio de verbas, contratos escusos, superfaturamento, compra de votos ou o favorecimento ilícito que faz ruir as bases de nossa democracia. É a certeza de que nada disso implicará em punição, salvo raras exceções. Isonomia. Se a lei não é para todos, desfaz-se um dos mais importantes pilares da democracia.
Na última terça-feira a câmara recusou, com grande maioria de votos, a cassação de mandato da deputada Jaqueline Roriz. A nobre deputada aparecia num vídeo recebendo alta quantia de dinheiro. Denunciada por um ex-delegado e ex-aliado político que, em troca da delação premiada, resolveu entregar a pobre moça. Acusação: quebra de decoro parlamentar. Quanto eufemismo! Argumento para a absolvição: o vídeo mostra uma filmagem feita em 2006, à época em que era apenas candidata. Do alto da tribuna a deputada afirmou “se fatos anteriores ao mandato levasse a cassação, muita gente nesse plenário iria ficar na berlinda”. Por 265 votos Jaqueline permanece deputada.
Juro que fiquei sensibilizado com aquelas lágrimas. As mãos trêmulas enquanto lia discurso denotava real sofrimento. Ela tem razão. Por que seria culpada? Por acaso havia feito algo diferente e estranho às práticas de seus colegas? Óbvio que não. Foi o que ficou claro com a remissão. Ao absolverem Jaqueline os nobres deputados votam a favor de si mesmos. 
Li em algum lugar: “a democracia é a pior forma de organização política, exceto todas as outras”. Penso que o pior mesmo é a descrença na democracia. Esta descrença tem como papel de parede o equívoco de que realmente vivemos na DEMOCRACIA. “Mas se isto que vivemos é a democracia, então...” Perigo a vista! A ignorância, como sempre, educa a clientela dos tiranos, lideres totalitários que se autoproclamam salvadores da pátria. Hitler foi só mais um. O mais divulgado talvez. Manipular a ignorância alheia é pratica antiga entre espertalhões e déspotas.
Importante lembrar também que o projeto democrático é por essência, laico, secular. Qualquer tentativa de assimilação entre representantes de Deus e representantes políticos mina os princípios democráticos logo de saída. O Oriente Médio vem sofrendo desta miopia há bastante tempo, embora pareça atualmente sinalizar para uma nova mentalidade. O que deve orientar a democracia são valores como o bem, a justiça, a lei, a igualdade de direitos e oportunidades, liberdade e responsabilidade; independente das crenças religiosas.
Egoísmo e ganância. Não tem jeito, dizem. É da natureza humana. Pode até ser que neste particular Hobbes tenha razão. Mas não se trata de esperar ações virtuosas de um ser tão duvidoso quanto o ser humano. Não demos a devida atenção a Maquiavel. Trata-se de encontrarmos mecanismos políticos e jurídicos justamente para não ficarmos a mercê de tais esperanças ingênuas. É por aí que devemos seguir. Na horizontalidade e imanência das coisas humanas.
Não vivemos na única democracia possível. Infelizmente, no Brasil de hoje, não são muitos os jovens que se dão conta disso. Filhos de um tempo amorfo vivem “o sono dogmático” da pós-redemocratização e liberdade concedida. Para nós, o exemplo árabe ao menos faz lembrar que a democracia deve ser conquistada. Uma ação constante. Algo pelo qual vale a pena lutar e construir.

5 comentários:

  1. Será que alguém se sente motivado para votar nas próximas eleições? O voto nulo talvez seja uma maneira de dizer que não estamos satisfeitos.

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  2. Votarei nulo com certeza. Ótimo texto, professor!

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